Angelino dos Santos Silva
pedaços de vidas
romance
Contacto com o autor:
Telem: 93720399
homenagens:
§ Aos Camaradas que partilharam os dias difíceis da Guerra de África!
§ Aos Camaradas que por lá deixaram uma parte de si : Os Mutilados!
§ Aos Camaradas que por lá deixaram tudo de si: A VIDA!
§ Aos Camaradas que regressaram mais velhos em anos, do que os meses que lá viveram e lá deixaram o melhor de si: A Saúde!
≈
§ Às Vítimas desse Sentimento Egoísta e Mesquinho que dá pelo nome de Ciúme, hipocritamente confundido com Amor e desejar que o tema seja objecto de preocupação pela Sociedade e que o mesmo seja estudado com a Inteligência e a Urgência que o Tema merece!
dedicatória
a
Pedro e Sofia
Meus filhos
30 Abril de 2009
agradecimentos:
a
tina
ângelo
anamaria
dina
esmeralda
isabel
sem a vossa bondade, este romance
ficaria prisioneiro na cabeça.
30 Abril de 2009
A
Paulinha
minha querida sobrinha e afilhada, hoje falecida,
o meu agradecimento, já cheio de saudade.
O teu sorriso escondia a tristeza que te ia na alma.
Os teus passos percorriam o espaço que te fugia.
E o teu olhar, procurava de forma serena e calma,
Enganar a morte que dia a dia à porta te batia!
Descansa em paz!
22 de Setembro de 2009
ÍNDICE
I PARTE
Cap. Pag.
1. UMA QUESTÃO DE SAIAS
2. CONFUSÕES
3. GUIA DE MARCHA
4. A SORTE DO ZEQUINHA
5. TELEFONEMA
6. CONVERSÃO DE LETINHA
7. ARREPIOS
8. CABELOS E CHEIROS
9. ENCONTROS
10. A MINHA IRMÃ, DISSE-ME
11. SUAVE BRISA
12. ESQUECIMENTO
13. PESADELO
14. ESCRITORA
15. DECISÃO
16. PAZ PODRE
17. SURPRESAS
18. SÓ PODE SER ISTO
19. BOAS VINDAS
20. REUNIÃO
21. DURMAM BEM
22. INTRANSIGÊNCIA
23. SORTEIO
24. O FIO DA MEADA
25. ENCONTRO
26. DECISÃO
27. QUASE FIQUEI SEM PELE
28. MUDAR DE TRANSPORTE
29. FRUTO PROIBIDO
30. AVIÃO SEM MALA
31. DOR DE BARRIGA
32. JUAN GUTIERRES
33. O MENINO
34. DINHEIRO DE GRILO
35. RESPIRAR FUNDO
36. UM SONHO
37. MONÓLOGOS
38. CRUELDADE
39. REGRESSO
40. CRUELDADE
41. CARTA A GARCIA
42. ACHINCALHO
43. METE A LÍNGUA
44. REFRESCAR AS IDEIAS
45. A GUERRA NÃO FOGE
46. TRISTE NATAL
47. AQUELE OLHAR
48. TENHA JUÍZO
49. MAMÃE NÃO CHORES
50. PODE SENTAR-SE
II PARTE
Cap. Pag.
1. ATÉ AO MEU REGRESSO
2. IR À BRUXA
3. TOP SECRET
4. NÃO PERCEBO
5. DATA MARCADA
6. FALSA , NÃO COMO JUDAS
7. DECIDIR DA HISTÓRIA
8. PEDAÇOS DE VIDAS
9. SERIA DO FRIO?
10. RIR PARA DENTRO
11. CAIS DE PARTIDA
12. JÁ TE COMI
13. MELHOR CAMA
14. AS PÉROLAS
15. É ASSIM QUE NOS TRAMAM
16. SABES, AMOR?
17. A BRISA DA INCERTEZA
18. SIMPLES, NÃO É?
19. PIDJIGUITI
20. ASSALTO FINAL
21. ESTIVE EM AFRICA
22. PORQUÊ?
23. ESQUISITO
24. ESTOU-ME NAS TINTAS
25. O PILÃO
26. A CORJA
27. BULA
28. VAMOS LAVAR ROUPA
29. SE NOS APANHAM
30. PEÕES DE BREGA
31. SANTUÁRIO
32. MENTIRA
33. VOZ CELESTIAL
34. VOZ ELOQUENTE
35. GUERRA PSICOLÓGICA
36. NÃO ME DEIXAM
37. LÁGRIMAS DE MACACO
38. CHORO
39. DOMINGOS DJALÓ
40. CRIANÇA FELIZ
41. MADRUGADA TROPICAL
42. CAIM NÃO MATOU
43. VIAGEM AO SUL
44. DEFENDER A VERDADE
45. MORTE FORA DE HORAS
46. INQUISIÇÃO
47. REGRESSO AO NORTE
48. DESCONTROLO
49. MORTE PELA METADE
50. BESTAS EM DESASSOSSEGO
III PARTE
EPÍLOGO
Pag. NOITE AO LUAR
0
Esta é a história de António Daborda e Augusto Marques, gente simples de um Povo que ao longo dos tempos construiu com o seu esforço e sua ambição um País, mas que nunca soube ou foi incapaz de reivindicar o seu nome e lugar na História.
- Sabe, Padre – diz António para o seu Capelão – a nossa desgraça começa na Grande Aventura que foram os Descobrimentos. Preguiçamos o cérebro perante a grandeza da Coisa! Somos um Povo, que aceita sem sentido crítico, que lhe seja ensinado que a História é feita por heróis afonsos, gamas, pereiras e oliveiras. Nunca reivindicamos o nosso nome e lugar na História.
Frustrados por terem sido impedidos de sair do navio e obrigados a permanecer ao largo no Porto de Funchal no dia 31 de Dezembro de 1971, com o argumento de que poderiam causar incómodos aos turistas, em noite de festa de fim de ano!
- Veja Padre – diz António – somos dois mil homens a bordo e não somos capazes de reivindicar o respeito e o reconhecimento que merecemos. Que merecem os nossos Camaradas que por lá deixaram tudo de si: A Vida!
Esta conversa teve lugar a bordo do navio que trazia de regresso a casa, António Daborda e seus camaradas, após dois anos de guerra em África!
É a história de Mário Oliveira e Maria Carolina, sua esposa, pedaços de vidas de qualquer um de nós, que deveriam ser simples, alegres e descomplicados e que são transformados em episódios de vidas difíceis e infernais, provocadas por obsessões esquizofrénicas, invejas e rancores e por gente sem ética e sem princípios que se aproveita da miséria e da besta que em todos nós mora, para se promover socialmente!
Em tribunal, Mário diz:
- Há pessoas incapazes de gostarem de alguém.
Olham-se ao espelho e vêm-se narcisos.
Para além do seu umbigo, o mundo é um caos.
Têm como filosofia, primeiro eu, segundo eu e terceiro…eu e quem não é por mim é contra mim.
Só os bajuladores têm assento na sua mesa.
E quando o efeito narcótico entra em ressaca, voltam ao reflexo e nele, convencem-se, uma vez mais, de que são únicos!
Normalmente, acabam em depressão.
Acredito que a minha ex-esposa pertença a este grupo.
1
UMA QUESTÃO DE SAIAS
(Abril de 1969)
§ Não sei, se calhar é por não casarem.
- Então e agora?
- Agora, conserta-se a cadeira e senta-se outro nela e fica tudo na mesma – diz António Daborda.
Quem pergunta é Augusto Marques, moço da idade de António e ambos em idade da tropa.
As perguntas vêm de pequeninos. Amigos de sempre, Augusto habituara-se às respostas de António, tomando-as como certas.
- Como é que sabes isso? – Perguntava Dona Rosalina dos Carvalhos ao seu menino Augustinho.
- Disse o António! – e pronto. Era lei!
- E porque é que o senhor abade anda de saias e os outros homens não? - perguntava Augusto, nos seus sete anos de inocência aos sete anos de ciência de António.
- Não sei, se calhar é por não casarem. A minha mãe diz que os padres não podem casar e não podem ter filhos, se calhar é por isso!
- Mas as mulheres andam de saias e têm filhos, não vêm da cegonha, como diz o Hélder da tijaquina, vêm da barriga das mulheres, que eu espreitei a minha mãe com a barriga cheia e pernas abertas a gritar para ter a nossa Rosa!
- Sim, sim, eu sei, a minha mãe já me contou que os bebés nascem da barriga das mulheres, mas os padres não podem ter filhos... se calhar é por isso.
- Pode ser, mas o meu pai diz que o senhor Prior, o outro senhor Abade que se foi embora da nossa terra, tinha um afilhado que era filho dele e da criada. Eu pensei que a criada era a mulher dele!...
Este interessante diálogo sobre questões de saias foi anos atrás, tempos de meninos da primária, entre António Daborda e Augusto Marques. Diálogos, perguntas e respostas que se prolongaram pela mocidade fora. Hoje, homens feitos, lâmina na cara, mancebos prestes a iniciar o serviço militar, o tema é mais sério, embora se trate de uma simples queda de cadeira. Uma queda, que podia ter mudado muita coisa… e que não mudou!
António desconfiava que não e por isso, à incerteza de Augusto, responde com a sua certeza desconfiada:
- Agora… senta-se outro nela e fica tudo na mesma! A única coisa que muda para os jovens como nós, é que daqui a alguns meses estaremos a combater em África – acrescenta – e provavelmente iremos para sítios diferentes!
Resposta dada, resposta aceite. Augusto sempre dera como certas as respostas do António e não era agora que iria duvidar do seu amigo, mais a mais, estudante. Estudante, dos poucos da sua aldeia cujos pais tiveram a ousadia e desfaçatez de mandar filhos de pobres estudar na grande cidade capital do distrito! e, ao que dizem, muito aplicado. Disso não duvidava Augusto Marques que tinha bem presente os desenrascanços que o seu amigo lhe proporcionara na primária, quando apertado pelo professor, figura severa e implacável, surdo que nem uma porta, mão peluda, grossa, que mais parecia pata de elefante e que sem aviso prévio, sacudia com um pesado safanão as frágeis cabeças dos mais distraídos, deixando-as aturdidas, Zum zum, sua bestinha quadrada, já devia ter respondido.
Ainda não tinha acabado o zum, zum, sua best… já a pata de elefante tinha sacudido a frágil cabeça do distraído, que era distraído por não saber a resposta. Nestas alturas, Augusto, que morava ao lado na carteira de António, seu companheiro de classe, tentava adivinhar a pergunta do surdo professor e com o cotovelo, perguntava a António a resposta para pergunta adivinhada e, deste modo, tentava safar-se do terramoto sobre a sua confusa cabeça. Variadíssimas vezes este expediente resultou. Outras, não!
Agora, na idade de mancebos, em vésperas de ingressarem na tropa, os jornais falavam da queda. Timidamente. E Augusto quer saber coisas.
- Então, achas que fica tudo na mesma?
- Claro, vais ver que sim, continuas a trabalhar nos campos com o teu pai, eu continuo a estudar, a guerra nas províncias ultramarinas continua e nós vamos para a tropa quando nos chamarem e de certeza que vamos lá bater com os costados. Pena é que, provavelmente, não iremos para o mesmo sítio, mas até pode ser que sim, que nos encontremos lá por África.

Sem comentários:
Enviar um comentário